segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Da ânsia latina ao chamado afro

Quando terminou o namoro há seis meses e entrou no surto “todos os cursos do mundo aqui e agora”, viveu sua fase mais latino-americana: voltou ao espanhol, dançou salsa e merengue no Sesc e descobriu o que há de patrimônio histórico e cultural nas principais religiões dos países vizinhos, estudando no Memorial da América Latina.

Agora que abriu espaço para o novo e está “aboxonada como aborrescente” pela segunda vez em dois meses, sente que segue o “chamado afro” que despertou ouvindo o grupo “meio macumba, meio reza de procissão” Comadre Florzinha, por indicação do primo e padrinho de profissão, anos atrás, numa viagem aos parentes do Paraná.

Tem procurado incansavelmente por aulas de capoeira angola, depois que um mestre de 77 anos a fez entender o que tinha encantando tanto na primeira prática desse esporte que não a deixou “quebrada” no dia seguinte: “é o tai chi chuan brasileiro, mais lento, focado no aprimoramento pessoal e auto-conhecimento, sem competição, cordões, exibicionismo, luta violenta, mais dançado, é a mãe da prática”...

No último fim de semana, seguiu o conselho da “mais nova velha amiga” do centro budista e fez a aula aberta de dança afro no Parque da Água Branca. Como era de se esperar, sentiu dificuldade com coordenação e ritmo, mas parecia que a música e o movimento “abriram o coração” de tal forma, que era como se o amor incondicional do qual sempre ouviu falar viesse à tona subitamente.

Uma vontade tão forte de chorar, um “choro bom”, uma forte percepção da ancestralidade, uma convicção de que apesar de não ter negros entre os parentes próximos, aquela boca “que ri e engole os brincos” e o cabelo enrolado denunciam “um pezinho na cozinha”. Veio uma sensação de que ia “baixar o santo”, uma semelhança com a capoeira angola na hora de formar e dançar no meio da roda, uma alegria tão inebriante que a fizeram acreditar ser aquele o melhor antidepressivo e ansiolítico natural de todos os tempos.

Quando se lembrou que não tinha terminado sua oração matinal interrompida por um bate-papo casual no metrô, vivenciou o a experiência descrita pelo polêmico mestre Osho, de que a oração tem que se bastar, ser um fim e não um meio, uma comunhão e não uma barganha com Deus, uma celebração e não uma prestação de contas com o Divino.

Para completar com chave-de-ouro a fase “mais afro descendente” de sua vida, foi “atropelada” por um “amigo colorido” que descara a diversidade étnica tipicamente “brazuca”: é “ítalo negão”, da melhor categoria possível. Gozado que ele mulato tem descendência da terra do Papa e ela branquinha quase européia brinca “que como Brasília veio do nada com o coisa nenhuma”.

Seu professor da formação de yoga tinha razão quando dizia que era a mais alternativa do curso e o ex chefe não exagerava quando a classificava de “maior símbolo do ecletismo cultural e religioso desse país”. Não por acaso, seu altar é o mais ecumênico que já viu: anjos, santos, Budas, estátuas meditando, Krishna, só faltam mesmo um orishá, fotos do Chico Xavier, Osho e Amma. Brinca que sempre reza para toda a Liga da Justiça a caminho do trabalho “quem estiver desocupado e puder atender, ótimo”...

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