quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O poeta, de Vinicius de Moraes

A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um contínuo de dor angustiante.
O poeta é o destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a visão de beleza
E a sua alma é uma parcela do infinito distante
O infinito que ninguém sonda e ninguém compreende.
Ele é o etemo errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o céu
Preso pelos extremos intangíveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida.
O poeta tem o coração claro das aves
E a sensibilidade das crianças.
O poeta chora.
Chora de manso, com lágrimas doces, com lágrimas tristes
Olhando o espaço imenso da sua alma.
O poeta sorri.
Sorri à vida e à beleza e à amizade
Sorri com a sua mocidade a todas as mulheres que passam.
O poeta é bom.
Ele ama as mulheres castas e as mulheres impuras
Sua alma as compreende na luz e na lama
Ele é cheio de amor para as coisas da vida
E é cheio de respeito para as coisas da morte.
O poeta não teme a morte.
Seu espírito penetra a sua visão silenciosa
E a sua alma de artista possui-a cheia de um novo mistério.
A sua poesia é a razão da sua existência
Ela o faz puro e grande e nobre
E o consola da dor e o consola da angústia.
A vida do poeta tem um ritmo diferente
Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu
Preso, eternamente preso pelos extremos intangíveis

Eu também Vinícius escrevo pq se não coloco para fora, parece que vou morrer...

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Ode às mais corajosas

Acaba de cometer uma violência inevitável contra si mesma: depilação. É realmente inacreditável que a pessoa repita aquele processo de não saber o que dói mais: a cera quente queimando até o útero ou a depiladora puxando e levando as trompas embora. Entre uma limpezinha e outra é de se desconfiar: "fiquei estéril"? Como isso não impede de ter filhos no futuro?
É sempre uma incógnita se a coragem para o repeteco mensal voltará. Caminhar para a salinha com maca, esquentador de meleca e ventilador é como imaginar o que a boiada sente rumo ao abate. Depois é como TPM, plantão e aborrescência: sempre passa e ao fim, a dita cuja se coroa como a mais corajosa das pessoas. Anda pelas ruas crente que pode encarar qualquer bucha.
A depiladora ainda tem a cara de pau de perguntar se quer limpar outras partes do corpitcho. Impossível, ainda está se recuperando do trauma. Lembra das colegas que depilaram uma axila ou verilha e não tiveram coragem para o outro lado. Uma até desmaiou. Tem vontade de encabeçar uma campanha pela manutenção da natureza como ela é, que se tem pelo aí, alguma função deve ter, proteção, sabe-se lá. Mas desconfia que não ganhará adeptos, como quando defende a manutenção da cutícula.
E para coroar todo o traumático processo, a pessoa volta para casa convencida de ter adquirido a coragem dos recrutas de Resgate do Soldado Ryan, põe a lingerie mais bonita do armário e aguarda, claro o bofe reparar, comemorar, soltar fogos de artíficios, dar ipi, ipi urra! para a coitadinha ainda em convalescência do limpa aqui e ali, mas qual o que, o bonito passa batido e vai para os finalmentes... Só elas reparam nos detalhes?

Despedida de separada

Todas as que tomaram gosto pela aborrescência tardia pós separação deviam ter direito a uma despedida de separada. Para procurar os amigos coloridos que sabonetaram, irônica como advogado xingando o outro nas entrelinhas daquela linguagem rococó deles:
- Tem, mas acabou!
Esperar calma e pacientemente os que tucanaram em cima do muro e informar feito funcionária pública bicho preguiça:
- Passa mais tarde pq hoje só amanhã!
Levantar todas as baladas não conferidas com as amigas divertidas livres, leves e soltas e passar o que, uns 15 dias na esbórnia bem intencionada?
Tomar uma overdose familiar antes que os parentes que são como pum, cada um só aguenta os seus mesmo e curtir a parte boa dos programas com primos e tios antes que um deles dispare no fófis a síndrome run Forest, run!
Estudar e reler tudo que ainda não conseguiu por em dia. Ensaiar falando sozinha como quem acabou de ganhar alta no hospício Charcô. Malhar todos os extras que não deu tempo.
Todo mundo também deveria ter direito a umas feriazinhas entre uma compulsão de troca de trabalho e outra: mochilão na Europa, Nordeste ou nas cidades zen dos lesados: Trindade, Visconde de Mauá e São Tomé das Letras.
Todo mundo devia ter um feeling pro novo bofe não pegar a pretê em dia Bridget Jones: de calcinha quase vó, mata atlântica intocada e naqueles dias em que sua parte reprodutiva está, digamos assim, "de um clima comunista como o vermelho das Ferrari".
A vida não devia pegar a gente sempre de calças curtas.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Assim nasce uma lenda urbana...

...encarando a enésima reunião com o cliente na Starbucks - chiquérrimo, não fosse o fato de estar eterna e constrangedoramente sem verba para quase o cardápio todo, reparou e partiu para o interrogatório estilo comédia da vida privada:
- O que é frapê java chip?
- Chip é um pedaço de chocolate ou cookie senhora.
- E java?
- Não saberia dizer senhora.
- É um frapê de programador especializado em java! Estão centrifugando nerds na rede de cafeterias! Como aquela época em que a Coca Cola tinha a fama de ter processado um funcionário em sua linha de produção de bebidas! Olha que vou espalhar isso na rede, pois a especialidade do assessor de imprensa é o spam!
Não, ninguém na fila riu tanto quanto ela da piadinha infame. Momento total surto cômico descontrol...

Momento poético contemplativo...

...em plena caminhada matutina no parque, quando passa por baixo de uma árvore quase despida de suas florezinhas amarelas:
- Pra onde vão elas quando o inverno chega?

Concorda com a personagem mais divertida...

...da peça Confissões das Mulheres de 30, no Teatro Folha, do Shopping Higienópolis "tem homem que é como junkie food: sabemos que não devemos encarar, mas de vez em quando não resistimos". E literalmente tem piriri, menos de 24 horas depois, comprovando a sabedoria corporal que as xamânicas garantem que temos. Demorou pra fechar e fazer balanço, suspira entre uma perda de energia e outra...

Momento TPM surto descontrol...

...fecha o dedo na porta de casa e lembra de um texto supostamente do Miguel Falabela que começa dizendo como isso dói. Banca a criança mimada, bate a porta, quebra a máscara ganha da provável amiga mais cênica que tem e chooooooora pelo estrago, pela diarista que não veio, pelo amigo colorido incomunicável, os entrevistadores que te adoram, mas contratam escraviários e recém formados mais em conta no tal fenômeno de juniorização corporativa.

Reencontrando a amiga acadêmica pero no mucho pouco tempo depois, essa desconfia que o que aconteceu foi para aprender a "não ter raiva". Ué, o psico fenomenologista e mais pé no chão, impossível, garantia que o zen budismo vivia a raiva em sua plenitude quando ela vinha. E olhe que ele quase foi monge!

Dias depois o roxo no dedinho comprova que não tinha sido apenas descompensação hormonal.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Momento meio Sexy and The City meio wicca

Vai ao dentista numa cidadezinha minúscula com mania de grandeza que chama de "síndrome primeiromundista", mesmo não tendo cinema e ainda sofrendo de enchente. Na saída do consultório, sentencia:
- Vou encontrar o ex.
E ele passa de bicicleta do outro lado da rua, magérrimo, ao que ela pensa em voz alta:
- Preciso de uma bicicleta urgente!

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

De pq o Musical Gota D´Água é imperdível

E pq Chico Buarque não tem pra ninguém no entendimento da alma feminina...

Joana - Então tenha a coragem de dizer por que você me deixou?...
Jasão - Você quer saber?...

Joana - Quero, vá...
Jasão - Você é viagem sem volta, Joana. Agora eu vou contar pra você, sem rancor, sem sacanagem, porque é que eu tinha que te abandonar. Você tem uma ânsia, um apetite que me esgota. Ninguém pode viver tendo que se empenhar até o limite de suas forças, sempre, pra fazer qualquer coisa. É no amor, é no trabalho, é na conversa, você me exigia inteiro, intenso, pra tudo, caralho... Tinha que olhar pro céu pra dar bom dia, tinha que incendiar a cada abraço, tinha que calcular cada pequeno detalhe, cada gesto, cada passo, que um cafezinho pode ser veneno e um copo d'água, copo de aguarrás. Só que, Joana, a vida também é jogo, é samba, é piada, é risada, é paz. Pra você não, Joana, você é fogo. Está sempre atiçando essa fogueira, está sempre debruçada pro fundo do poço, na quina da ribanceira, sempre na véspera do fim do mundo. Pra você não há pausa, nada é lento, pra você tudo é hoje, agora, já, tudo é tudo, não há esquecimento, não há descanso, nem morte não há. Pra você não existe dia santo e cada segundo parece eterno. Foi por isso mesmo que eu te amei tanto, porque, Joana, você é um inferno. Mas agora eu quero refresco, calma, o que contigo nunca consegui, nunca, nem um minuto. Já, com Alma é diferente, relaxei, perdi a ansiedade, ela fica ao lado, quieta e a vida passa sem moer a gente...

Quando a chuva aperta

Não parece pedir demais
ter alguém a quem abraçar
quando a chuva aperta
Ou perguntar quando o resultado
do exame não é familiar:
- Será que é grave?
Pedir cafuné quando entro com o traseiro
e o trabalho com o pé:
- Pode ser que repita antigos erros,
que ainda tenha o que aprender,
mas lá não era pra você mesmo!
A quem confessar quando morre
o pai da amiga de infância:
- Se fosse o meu, pirava!
Dividir encantos numa peça,
filme, viagem, show, retiro:
- Não é lindo?
Alguém pra rir da comida queimada...
- É, não levo jeito mesmo!
Pra acender a luminária, o incenso,
por um som, puxar o cabelo
beijar a nuca e esquecer da hora...
Acordar atrasada, ir trabalhar bem humorada...
Fazer as velhas borboletas
pousadas no estômago darem rasante
e um divertido frio na barriga...
E se tudo isso vier sem rótulo,
sem apego, sem rejeição,
só com o riso à toa fácil
e as surpresas entre uma palavra e outra
Aí é o bilhete premiado da loteria

Francine Machado

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Entre o encanto e o desencanto

Estranheza te rever
o mesmo de sempre e tão novo
sem barba, com menos espinha
o mesmo riso gostoso ao falar do filho
E o familiar mal estar de fingir
que nada aconteceu
ou que tudo se passou entre duas almas,
dois corpos, dois corações, mas uma só paixão
Solitária que não encontra ressoar semelhante
ir ou não ao mágico sarau
em que tudo começou
e pode - pq não? - poeticamente acabar
Pq o sentimento tem que ser renovado
a alma precisa se sentir lavada
e o coração liberto
Deixo que essa história faça a curva do rio
se tiver que voltar, será bem vinda,
se não, doce lembrança que não se apaga
Os mais intensos são sempre os mais fugazes?
gratidão pelo retorno às letras
e me sentir viva de novo
ainda que por minha conta - e risco
Francine Machado

Da pré estréia de Devoção

"Os animais não precisam de Deus e são perfeitamente felizes - nem um único pássaro, nem uma única árvore sente falta de Deus. Eles estão todos aproveitando a vida na sua mais completa beleza e simplicidade, sem nenhuma necessidade de temer o inferno e nenhuma busca ansiosa pelo paraíso, sem diferenças filosóficas. Não existem leões católicos, não existem leões protestantes nem hinduístas. Todos os seres vivos devem estar rindo do homem, do que aconteceu aos seres humanos. Se os pássaros podem viver sem religiões, igrejas, mesquitas e tempos, por que o homem não consegue? Os pássaros nunca travam guerras religiosas; nem os animais, nem as árvores. Mas você é muçulmano e eu sou hinduístas, e nós não podemos coexistir - ou você se converte à minha religião ou se rende. ou vou lhe mandar para o céu imediatamente!" Osho, Intuição, O Saber Além da Lógica, Editora Cultrix.
Não por acaso essa leitura aconteceu de encontro à pré estréia do documentário Devoção, no Cine Bombril, em São Paulo. Ambos são de se fazer pensar, um pela lógica e ironia e outro pelos aspectos ancestrais, de transe, sensitivos, intuitivos, inebriantes. Como diria Einstein "você pode viver como se tudo fosse um milagre ou como se nada fosse um milagre"... E um dia não necessariamente transfere a fé para o seguinte, mas seguimos em busca do sentido, do que faz a diferença...

Procuram-se futuros atores...

"As pessoas do coração - os pintores, os poetas, os músicos, os dançarinos, os atores - são todas irracionais. Elas produzem grande beleza, elas são grandes amantes, mas estão completamente deslocadas numa sociedade que é organizada pela cabeça. Os artistas são considerados pela sua sociedade quase como párias, um pouco malucos, um tipo de gente insana, visionária. Ninguém quer que os seus filhos se tornem músicos, pintores ou dançarinos. Todos querem que eles sejam médicos, engenheiros, cientistas, porque essas profissões compensam. A pintura, a poesia, a dança são perigosas, arriscadas - você pode acabar simplesmente como um mendigo na ria, tocando flauta" Osho, Intuição O Saber Além da Lógica, Editora Cultrix.
Será por isso que no primeiro dia de aulas da turma noturna de artes cênicas da Faculdade Paulista de Artes ainda faltem alunos para dar continuidade à licenciatura de três anos? Justo num momento em que o governo estadual incluiu a cultura no currículo das escolas públicas e a prefeitura procure arte-educadores para os CEUs? Precisa-se dos que teimam em nadar contra a corrente: www.fpa.art.br

A delícia de entrar na história

A peça Subterfúgio não acontece num palco comum – ao contrário, ela se ocupa de um casarão dos anos 50, na rua Antonia de Queirós, que funciona durante o dia como um antiquário e que não poderia render cenário melhor para os temas carência, saudade, ciúme e traição, que nunca saem de moda.
Como é de se esperar num espaço como esse, o público anda e faz uma tímida participação – nada vexatória. Mas o ambiente intimista faz com que os atores não apenas encenem pequenas histórias – que não se cruzam – sobre essa fonte inesgotável que é o amor, mas também provoquem nos espectadores a sensação de que estão participando daquela ansiedade de um encontro às escuras, do sufoco de um namorado com uma mulher ciumenta, da dor de uma traição, da falta muito bem definida pela atriz parecida com uma vampira “que agoniza de saudade”.
A luz baixa, às vezes dependendo só de velas ou focos muito restritos a uma pequena parte do ambiente, contribui para a fotografia cativante, que faz com que a platéia torça por aquela história de carentes ansiosos que se vêem pela primeira vez, para que a ciumenta propositadamente vendada dê um passo além de sua neura, para que o casal homossexual se reconcilie e para que a traumatizada se recupere da perda amorosa com a ajuda de um sinistro conselheiro.
Os solitários que se paqueram numa primeira saída tentam esconder seus grilos e receios, o namorado devotado tenta mostrar à namorada cega de ciúme que não há garantias, o casal gay tem dificuldade de transpor a incômoda traição heterossexual e o aparente garoto de programa tenta convencer a sinistra entrincheirada em seus medos que é preciso arriscar, pois amar é como dançar, mas ela sua amargura persiste: “que se tudo na vida passa, como nós permaneceríamos” ?
A interferência sonora da rua nas cenas externas não colabora, as cadeiras firmes demais e pouco confortáveis para os pesos pesados também não. São os únicos “se não” da encenação, que traz à tona a fonte inesgotável de debates, reflexões, discussões e devaneios sensoriais: as paixões humanas. Uma surpresa e tanto vinda de jovens e pouco conhecidos atores.
Subterfúgio
Rua Antonia de Queirós, 165
Reservas: Francine 9235-0402
Até o fim de setembro
Quintas, sextas e sábados, 22h