terça-feira, 23 de setembro de 2008

Oração Celta

Que jamais, em tempo algum, o teu coração acalante ódio.
Que o canto da maturidade jamais asfixie a tua criança interior.
Que o teu sorriso seja sempre verdadeiro.
Que as perdas do teu caminho sejam sempre encaradas como lições de vida.
Que a musica seja tua companheira de momentos secretos contigo mesmo.
Que os teus momentos de amor contenham a magia de tua alma eterna em cada beijo.
Que os teus olhos sejam dois sóis olhando a luz da vida em cada amanhecer.
Que cada dia seja um novo recomeço, onde tua alma dance na luz.
Que em cada passo teu fiquem marcas luminosas de tua passagem em cada coração.
Que em cada amigo o teu coração faça festa, que celebre o canto da amizade profunda que liga as almas afins.
Que em teus momentos de solidão e cansaço, esteja sempre presente em teu coração a lembrança de que tudo passa e se transforma, quando a alma é grande e generosa.
Que o teu coração voe contente nas asas da espiritualidade consciente, para que tu percebas a ternura invisível, tocando o centro do teu ser eterno.
Que um suave acalanto te acompanhe, na terra ou no espaço, e por onde quer que o imanente invisível leve o teu viver.
Que o teu coração sinta a presença secreta do inefável!
Que os teus pensamentos e os teus amores, o teu viver e atua passagem pela vida, sejam sempre abençoados por aquele amor que ama sem nome.
Aquele amor que não se explica, só se sente.
Que esse amor seja o teu acalanto secreto, viajando eternamente no centro do teu ser.
Que este amor transforme os teus dramas em luz, a tua tristeza em celebração, e os teus passos cansados em alegres passos de dança renovadora.
Que jamais, em tempo algum, tu esqueças da Presença que está em ti e em todos os seres.
Que o teu viver seja pleno de Paz e Luz!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Aprendizado e descoberta

Se surpreendia com a experimentação do quanto o coração funciona independente da razão. Tecnicamente não havia do que reclamar, recebia até mais do que esperava, a ponto de confirmar o que dizia Osho, o que se imagina é melhor do que quando acontece. Lembra-se sem graça de já ter sido arrebatada por uma mostra de fragilidade combinada a uma tentativa de autoritarismo, ainda que racionalmente abominasse os que reprimiam os libertários como ela. De repente entendia que todas as histórias intensas, mas fugazes independiam da vontade dos envolvidos para ir ou não adiante e mesmo assim era válido tentar, não havia má fé, ilusão ou perda de tempo. Ficava claro que quanto mais a ansiedade tenta se aproximar do estado arredio, mais o distanciamento se amplia, assim como o ciumento “põe lenha na fogueira” do companheiro sossegado e o ambicioso não se percebe descaradamente capaz de qualquer coisa para subir, porém os colegas de trabalho sentem...Compreendeu que em meio à incompreensão e questionamento, pode ser “atropelada” por novas possibilidades; que as novas oportunidades não surgem quando estamos prontos, mas quando tem que acontecer, a colega comprometida que ainda estava aberta às boas e inesperadas surpresas da vida e amigos coloridos nos quais não se encontrava um “senão”, mas que mesmo assim não despertavam a química que nos impulsiona adiante. Estranhou a assustadiça que vinha à tona, mesmo quando recebia exatamente o que declarava querer. E justo ela que facilmente sente o revoar das borboletas no estômago! Se sentia espantada e em novo aprendizado vivendo o oposto do que estava acostumada. Mas não testava suas capacidades cênicas, estava sinceramente abrindo disponibilidade para uma possível felicidade, pois aparentemente tudo colaborava, exceto sua chama interna, estranhamente impassível... Poderia o que sempre buscou ser menos vertiginoso do que idealizava? O que arde interiormente pode atracar num cais que não ferve?

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Do mestre poeta místico Rumi

Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.
Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode isto ser segredo para ti?
Finalmente, foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo - um punhado de pó -
vê quão perfeito se tornou!
Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.
Não durmas,
senta com teus pares
A escuridão oculta a água da vida.
Não te apresses, vasculha o escuro.
Os viajantes noturnos estão plenos de luz;
não te afastes pois da companhia de teus pares.
Faltam-te pés para viajar?
Viaja dentro de ti mesmo,
e reflete, como a mina de rubis,
os raios de sol para fora de ti.
A viagem conduzirá a teu ser,
transmutará teu pó em ouro puro.
Sofreste em excesso
por tua ignorância,
carregaste teus trapos
para um lado e para outro,
agora fica aqui.
Na verdade, somos uma só alma, tu e eu.
Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti.
Eis aqui o sentido profundo de minha relação contigo,
Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu.
Oh, dia, levanta! Os átomos dançam,
As almas, loucas de êxtase dançam.
A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança,
Ao ouvido te direi aonde a leva sua dança.
Quero fugir a cem léguas da razão,
Quero da presença do bem e do mal me liberar.
Detrás do véu existe tanta beleza: lá está meu ser.
Quero me enamorar de mim mesmo, ó vós que não sabeis!
Eu soube enfim que o amor está ligado a mim.
E eu agarro esta cabeleira de mil tranças.
Embora ontem à noite eu estivesse bêbado da taça,
Hoje, eu sou tal, que a taça se embebeda de mim.
Ele chegou... Chegou aquele que nunca partiu;
Esta água nunca faltou a este riacho
Ele é a substância do almíscar e nós o seu perfume,
Alguma vez se viu o almíscar separado de seu cheiro?
Se busco meu coração, o encontro em teu quintal,
Se busco minha alma, não a vejo a não ser nos cachos de teu cabelo.
Se bebo água, quando estou sedento
Vejo na água o reflexo do teu rosto.
Sou medido, ao medir teu amor.
Sou levado, ao levar teu amor.
Não posso comer de dia nem dormir de noite.
Para ser teu amigo
Tornei-me meu próprio inimigo.

Poesia Mística

Em meio a árvores,
Rios, lagoas, flores,
Cheiro de grama
É quando Me arrebata
Tua presença
É quando quero chorar
Tocada por uma música
Pelo olhar de um personagem verdadeiro
Por uma dança de quem põe a alma nela
Quando a arte deixa o tempo em suspensão
Encontro o divino
Meio adormecido em nós
Na promessa atendida
De uma criança
Te sinto em mim
Invadindo cada segundo
Deixando sem ar
Fazemos as pazes, brigamos
Que é de amor e ódio
Nossos reencontros
Quando um olhar amoroso
Vence todo o risco,
Contra todas as estatísticas
Na dor tirada pela mão
Nos pequenos sonhos realizados
Apesar da dúvida
No despertar de amor de mãe
Pela filha que não era minha
Pés na terra molhada
Com todos os sentidos
Inebriados pelo presente
Olhos cheios d´água
Ânsia de conhecer
Cada mergulho na profunda
E inexplicável conexão entre nós
Quando me reconheço
E te percebo
Em cada transformação inexplicável
Nisso que me deixa fervendo
E rendida

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O que esse mal estar faz aqui?

Nem mesmo os quatro anos de rompimento e reconciliação com a meditação foram suficientes para evitar que pela segunda vez sentisse um mal estar incômodo ao saber de antigos amigos coloridos e namorados se engraçando com amigas. Nem mesmo sabia se colocava ou não elas entre aspas, pois não podia reclamar que havia sido apunhalada pelas costas, ambas foram honestas. A sinceridade é mesmo libertadora, mas nunca estamos preparadas para ela, apesar da capacidade de jurar de pé junto que a mentira é pior. Finalmente entendeu o que sua professora queria dizer com a definição “bem aventurada ignorância”. Não podia ser ciúme, não voltaria com nenhum deles, estava mais que aprendido a duras penas que eram incompatíveis. Estava definitivamente noutra. Percebeu que não era nada evoluída como as amigas a consideraram quando soube da primeira amiga a se engraçar com um antigo rolo e sentir alívio quando ela abriu o jogo, sem raiva, nem choro, nem vela. Não era capaz de ter ciúme nem no relacionamento assumido a dois, como podia viver isso com relação aos falecidos, páginas mais que viradas? Lembrou do mestre budista explicando que o ciúme é a inveja da felicidade do outro com algo que não seja sua companhia. Não havia racionalização, entendimento, explicação ou classificação possível para aquele estranhamento, aquele meio termo entre desencanar e assumir que incomoda a felicidade alheia, uma espécie de limbo entre o desapego e o orgulho ferido. Como pode ficar até feliz quando a primeira amiga veio contar que não resistiu ao poeta, que curou sua abstinência literária e ensinou que o termômetro para medir a saúde dela era a distância que estava ou não de por no papel, e agora não conseguir se livrar daquele soco no estômago não recebido? Não sentia mais aquela fissura por nenhum deles, o que não abalou sua frágil estabilidade emocional e os outros dois, que aproximando de amigas a faziam perder as estribeiras. Mas uma delas pedia um alvará, uma benção, um passe livre, um amém para o tolerável inaceitável. A “barraqueira” adormecida nela queria subir nas tamancas, rodar a baiana, reativar o palanque que tinha na garganta. Um resquício de bom senso veio à tona. Desejou que fossem felizes a léguas de distância, o máximo de civilidade que conseguiu. E estranhou não conseguir arder na mesma proporção com a nova possibilidade que gentilmente pousou em sua vida há pouco tempo. Estava mesmo fora do prumo, pois concordou quando a prima lhe sugeriu adotar a lápide de outro intenso como ela: “digam ao mundo que fervia”. O morno neutro calmo tranqüilo estranhamente instalado em sua vidinha recém renovada como desejava podia ser um comprovante da doença pós moderna atestada pelo médico, ainda relutante dentro dela? Como todos os aspirantes a artistas mal resolvidos, sentia que escrevia para não morrer, não sufocar. E se renovava. Sempre

A paixão abortada e incomodamente não cicatrizada

Nunca pensou que pudesse voltar de uma viagem de negócios com a sensação de “momento perdido que não volta mais”. Não foi um trabalho fora da cidade típico. A chefe milagrosa e inexplicavelmente deixou a passagem de retorno em aberto e deu a idéia de passar um fim de semana nesse município litorâneo que não conhecia, pois o que precisava fazer aconteceria numa sexta. Também não tinha verba adicional para viagens surpresa muito bem vindas e por outro desses motivos que a razão não alcança, a mãe emprestou grana a fundo perdido, mesmo tendo em seu imaginário a região como perigosa. Como não havia conseguido fazer mochilão europeu dos seus sonhos e já tinha escrito sobre albergues da juventude sem conhecê-los, achou que já não era sem tempo um test drive que a colocasse em contato com culturas do mundo todo sem sair do Pais, já que os gringos são mais habituados a esse tipo de viagem.
Não viajou com segundas intenções. Era ainda a época em que a lua de mel se prorrogava em casa. Mas tinha tamanha paixão e saudade do mar, que não se privou de dois dias caminhando na areia, mesmo sem a companhia dele. Traria lembrancinhas do tipo “Fui para o cafundó e lembrei de você”. E a vida e o relacionamento continuariam com seu curso normal, sem sobressaltos. Ao menos era o que imaginava ao embarcar. E é quando menos se espera que Deus comprova seu incrível senso de humor negro.
O trabalho correu bem, todos com os quais teve que lidar foram tranqüilos, ligou para a empresa quando terminou, relatou o serviço e desejaram “boa praia”, quase como prêmio pela missão cumprida.
No albergue, ao deixar as suas malas e pertences no armário, conheceu a companheira de quarto, que tinha forte sotaque do sul. Trocaram informações básicas sobre profissões, estado civil, tempo de estadia, preferências para se divertir. A colega tinha sono, descansaria um pouco mais. Ela estava em polvorosa e desceu para a área de convivência.
Judeus, americanos, ingleses, conheceu um pouco de tudo. Se espantou com o quanto eles vêm passar um período curto, se apaixonam pelo País e começam a pesquisar algum negócio para ficarem de vez. Brinca que como não conhece compatriota que goste do Brasil, vê as qualidades e defeitos “de sua terra” de outra forma ao trocar impressões com colegas de tantas nacionalidades.
Conheceu uma alemã típica, loirinha, olhos azuis, até mais simpática do que imaginou para alguém de um País que imaginava como mais frio. O colega dela se aproximou e... Ela foi incapaz de entender seu nome, não sabia se por ser difícil ou por ele a deixar com os sentidos completamente desnorteados.
Jamais imaginaria um alemão moreno, de olhos e cabelos escuros. Soube que era descendente de turcos e que esse país tinha relações comerciais e históricas muito próximas com a Alemanha. Era médico. Admirava tanto as profissões de saúde! Ouviu encantada ele explicar que faria uma residência num dos maiores hospitais brasileiros, que não tinha leitos suficientes para todos os pacientes que recebia e entendeu quando explicou que depois dessa experiência, tiraria de letra os centro de saúde alemães, que sempre dão conta de seus doentes.
Se sentia de volta à “aborrescência” ao ter a impressão de que borboletas revoavam em seu estômago. Passearam com outros colegas pela praia e as afinidades começaram a deixá-la mais sem chão. Nunca acreditou quando a amiga contou que quando conheceu “o homem de sua vida”, ele já tinha outra “mulher da vida dele”. Sempre brincou que no máximo havia “o homem de nossas vidas da semana passada”, mas quando mencionou a paixão por poesias e iniciou um poema, que ele completou e era de Rainer Maria Rilke, desejou que os demais colegas de hospedagem desintegrassem naquele instante. Não sabia se ficava mais sem jeito por não conseguir camuflar um sentimento que tinha esquecido em algum limbo da acomodação amorosa ou pelos demais colegas saberem que era casada. Desejou que seu estado civil não viesse à tona, quase fez promessa para isso. Os dois também amavam teatro, meditação, viagens, massagem, técnicas de auto conhecimento e aprimoramento pessoal... A voz dele ia e vinha, como se seu ouvido se recusasse a trabalhar conforme ele a arrebatava. Quando o assunto acabava, não ficavam sem graça, os olhares, toques sutis, mas pulsando toda a energia do mundo e as intenções inconfessas preenchiam todo o silêncio, nada constrangedor. A noite parecia ter se multiplicado em horas que não tinham mais fim e desejou que a manhã nunca chegasse, que o retorno não viesse, que ele a chamasse para largar tudo e correr o mundo, sem parada certa, sem segurança alguma, sem a rotina que tanto a oprimia. Esqueceu que tinham platéia, mas foi incapaz de demonstrar o quanto aquilo era raro, especial, relevante, único... Era muito mais desconcertante que suas paixões juvenis, era muito mais intenso que o amor companheiro morno do cotidiano, que o dia a dia insistia em massacrar. Parecia que voltava para uma casa nova, inacreditavelmente familiar. Era lugar comum dizer que nunca tinha sentido aquilo, mas não conseguiria definir, descrever, nomear, classificar, racionalizar, entender... E ao mesmo tempo, era como se tivesse esperado a vida inteira por aquilo, como se só tivesse nascido para passar por aquele momento. Tudo indicava ser um encontro de almas mesmo, desses que ela, cuja praticidade quase masculina causava espanto às amigas, nunca acreditou. Um começava uma frase, o outro completava. Não podiam se encostar, pois era como se desse choque, se as luzes se apagassem e ousassem se beijar, brilhariam no escuro. Cochichos. Risos furtivos. Rubor fora de hora. Dançaram à beira do mar. Tomaram água de coco como se não fosse madrugada. Relembraram a infância e riram sem motivo, como se de fato tivessem voltado à ela. Sentiram saudade de amigos, familiares. Escreveram na areia. Contaram as estrelas. Ficaram sem voz quando prestaram atenção ao quanto a lua estava linda. Trechos de peças eram contados, rememorados, vividos novamente, compartilhados. Ela aprendeu um pouco de uma nova área com ele, que também se embrenhava no campo nada familiar no qual ela atuava. Confessaram segredos. Ousaram dizer os medos em voz alta. Choraram traumas. Ouviram o mar. Às vezes os colegas pareciam tantos ao redor, uma platéia insuportável, testemunhas constrangedoras e em outras ocasiões era como se embotassem, sumissem e o cenário, o figurino, os companheiros de cena se distanciassem, tudo se apagasse e só olhar brilhante dele preenchesse todo aquele instante, o espaço, os sons. Foram cúmplices. Criaram um verso, uma cena, uma música, uma estratégia de fuga, uma viagem futura, sentiram como se suas energias não quisessem mais se separam e perderam a voz. O público invadiu a cena. A colega de quarto contou que era casada. Soube que ele era mulçumano e eles têm uma parcimônia com as mulheres comprometidas que as demais religiões e culturas não conseguem entender. O tempo, as dificuldades, o cansaço, os empecilhos, o ruído, as influências externas voltaram. Os olhos encheram d´água. O fim de semana voou. Ela passou dois dias sentada à beira mar sem ar, sem entender, sem raciocinar, sem se reencontrar, sem se mover, sem jeito, sem graça, sem chão. Voltou para casa constrangida como se o aeroporto, o taxista, a rua, a vizinhança, a família e o próprio marido percebessem sem que falasse nada o encontro que abalara suas estruturas. Não ousou dividir o que parecia um misto de sonho e pesadelo. Era como se houvesse uma traição consumada, ainda que no máximo tenham vindo à tona somente intenções. Sempre dizia que não trairia pois continuar comprometida seria manter uma mentira. Descobriu que fingir que não tinha tido uma vontade quase irrefreável também era a manutenção de um engodo mútuo. Que os pensamentos, palavras, toques inocentes atestaram que seu amor inabalável começava a se decompor. Era como ter um morto aos pés e fazer de conta que tudo continuava na mesma. Apesar do quanto estava perturbada, fazer o amor tão familiar foi gostoso como nunca. Achou que passar vontade podia requentar o relacionamento meio insosso. Nunca digeriu bem aquele mal estar, aquela sensação de momento perdido que não volta nunca mais. Procurou o turco pelo Orkut, no hospital onde faria sua residência, na lista telefônica, sussurrou aquele nome ininteligível baixinho, quase como uma prece, um desejo, um pedido, uma esperança. Entendeu quando lembro do antigo professor de literatura, que decretava: o que não tinha acontecido, o platônico, era mais forte que o consumado. Levou ainda anos para compreender que aquele tinha sido o início do fim. O estopim de vontades inconfessas, de problemas que iam para baixo do tapete, de não se acostumar ao todo dia igual. O casamento acabou, não por causa desse abalo quase insignificante na prática, mas arrasador emocionalmente. Viveu novos namoros, amigos coloridos, mas anos depois ainda tentava não se incomodar com aquela sensação de que ninguém valia um momento perdido que não volta mais. E deixava falando sozinha aquela vontade sem lógica de encontra-lo inesperada e surpreendentemente, na metrópole que tragava quase tudo e todos. Um pouco por isso, um pouco pelo tanto que tentou sufocar a libertária que vinha à tona, adotou como filosofia de vida que as vontades que quase nos matavam, tinham que ser mortas antes.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Pequenos Milagres

Tem uma relação de amor e ódio com o divino, de questionar, brigar e depois fazer as pazes. Coisas que só Deus mesmo para entender e acolher.
Apesar de parafrasear Ivaldo Bertazzo em entrevista à Folha de S. Paulo e adaptar uma frase dele: "Deus não pode resolver meus problemas 'pequeno burgueses', por estar no Iraque em pedidos mais urgentes". Mesmo com seu irresistível humor negro, Ele fez caírem de pára quedas em sua vidinha - direto da Guerra? - um trabalho melhor e um homem que não "sabonetou". Ah tá, és onipresente e onisciente mesmo, desculpa aí...
No auge da primeira dor de amor, chorando há três meses atrás do computador, volante e prato de comida do restaurante, se rendendo a um mês e meio de fluoexitina por acordar e ter que ser "guinchada" da cama, pediu: "Pai tira com a mão, sozinha eu não dou conta". Ao reencontrar com o gatilho da primeira depressão da sua vida, miraculosamente não encontrou nele o homem que se apaixonou. O viu sem projeções. E não só visualmente estava diferente. Era outro mesmo, inapaixonável. Bem numa semana em que duvidou da existência Dele, de tanta revolta contra os policiais e políticos brasileiros e a aperente inércia Dele. A fé renasceu, novamente.
Na infância, quando almoçava e jantava omelete e o primo paixonite aguda, não fosse parente, seria o homem de sua vida teve um tipo de epilepsia, em que faltavam segundos de oxigênio no cérebro e ele tinha convulsões, fez o jejum que a família tanto praticava na Quaresma, do ovo que era aquele prato ao qual recorria sem pestanejar sempre. Ele não voltou a ter as crises. Ela sofreu no princípio, mas quando terminou não conseguiu mais comer ovo, a não ser bem disfarçado em bolo, e sua dieta foi forçosamente ampliada.
Após nascer chorou ininterruptamente durante quatro meses. De acordo com o pediatra, eram cólicas, fome e sabe-se lá o que mais. Numa tarde em que a mãe já havia tentado de tudo, cismou que tinha uma nata no olho da bebê e convocou o marido para irem ao oftamologista. O especiallista bateu o olho e decretou: "glaucoma congênito, tem que operar imediatamente". Na época só dois oculistas faziam a cirurgia e ele era um deles. Mas nata na pupila não é um sintoma dessa doença. Um anjo talvez, nublou a visão dela. Anos depois ainda espanta os profissionais da área, que não conhecem ninguém com esse problema enxergando tão bem...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Levantei poeta

Acordei e vi poesia
nos pássros que dão bom dia
em frente ao meu quarto
Acordei e vi poesia
no sol que dava outro colorido
entre as frestas da minha janela
e dos prédios
Acordei e vi poesia
na lembrança do seu beijo
no arrepio do seu carinho
Acordei e vi poesia
na capacidade do ser humano
Se reapaixonar
e provocar o renascimento
dos sonhos quase moribundos
Momento mágico
como o operário de Vinícius de Moraes
que repentinamente se encanta
de se reconhecer em cada objeto,
uma parte do seu trabalho.

Francine Machado

Mar Morto

Já achei que esse amor
era como as ondas
até que percebi
que elas iam e vinham sempre
Você não
Era sempre uma ausência
uma dúvida
um coração sobressaltado
Seu retorno
tens razão quando diz
que se me fazes sofrer
Está tudo de ponta cabeça
Mergulhei e vim à tona na marola
aqui tua paixão não me faz mais
perder o chão
Como se apaixona mesmo assim?
Só se pergunta quando já estava
virada do avesso...

Francine Machado

Quando o Inverno Chega

Para onde vão as flores
quando o inverno chega?
àra onde vai a esperança
quando a intenção surpreende,
mas fica no ar?
Para onde vai a expectativa
quando as palavras
contradizem as atitudes?
Para onde vai a confiança
quando se ouve e se lê
o que o outro não sente?
Para onde vai o amor
quando só sobra a amizade?
Para onde vai a raiva
quando a sinceridade é doída, mas libertadora?
Para onde vai o barco
quando o medo paralisa as negociações?
Para onde vai a saúde
quando a fé se esvai,
feito ampulheta, arreia que escorre
e o dedo não consegue brecar?
Para onde vai a vontade de ficar junto
quando o gostar pesa?
Para onde vai a sensibilidade
quando o verde não consegue
violentar o asfalto?
Para onde vai a poesia
quando se perde o fio da meada?

Francine Machado - pq escrever é de família...